12.18.2009

Um texto, e não um poema.

(só para ajavardar)

Quando me deixo entregar à tristeza, deixo-me ir tão completamente que me perco nela, que sinto as minhas entranhas a revoltarem-se contra mim, tamanha a minha idiotice por deixar que as coisas fiquem assim.
Deixo-me invadir por ideias grotescas, sinto verdadeiramente o impulso de trespassar o meu ventre, de ter os seus conteúdos quentes, ainda a pulsar com tudo o que vivo nesse momento, a espalharem-se sobre um chão sujo; vejo-me dilacerar o meu tórax, de cima a baixo, afasto as costelas num movimento brusco e, ainda no mesmo impulso cinético, arranco do meu peito todos esses elementos pastosos e viscosos.
Quero contemplar o brilho profundamente vermelho da minha dor, da nossa dor.
A pressão que me enche é tal que não consigo deixar de ver este cenário como um alívio, como o fim de tudo o que me impede de dormir à noite.
Ao menos dormia...

12.17.2009

URGENTE




COMUNIDADE ESCOLAR E AFINS,


amanhã há-de realizar-se na biblioteca da escola um


SARAU DE POESIA EM HOMENAGEM AO POETA




JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS


às 15 horas !


Era de suma importância que aparecessem !

12.15.2009

Remédio para o Pessimismo

Queixas-te porque não encontras nada a teu gosto?
São então sempre os teus velhos caprichos
Ouço-te praguejar, gritar e escarrar...
Estou esgotado, o meu coração despedaça-se.
Ouve, meu caro, decide-te livremente.
A engolir um sapinho bem gordinho,
De uma só vez e sem olhar.
É remédio soberano para a dispepsia.


Friedrich Nietzsche

12.14.2009

A Luxúria

 

Nós amamos a carne das palavras

sua humana e pastosa consistência

seu prepúcio sonoro   sua erecta presença.

                      Com elas violentamos

                      o cerne do silêncio. 



José Carlos Ary dos Santos

12.12.2009

A bunda

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.


Carlos Drummond de Andrade

12.11.2009

"Preciso que
 me reconheçam
 que me digam Olá
 e Bom dia.
 Mais que de espelhos
 preciso dos outros
 para saber
 que eu sou eu."

Adília Lopes

12.10.2009

Jogo

Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.


Nuno Júdice

12.08.2009

Poema à Mãe

Já que hoje, dia 8 de Dezembro, era dia da Mãe (há uns anos atrás), a Marta Ferreira do 12ºC lembrou-se deste poema de Eugénio de Andrade:



No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

O Smoking

 

Chego atrasado à frisa dos teus olhos.

A música violeta pestaneja na sala.

Há uma actriz transida que tirita

              transita

 

 

                                   mas não fala.

 

Entro no teu olhar

 

                                    Sou uma seta

que te cega e nos cala.

O silêncio é o sítio onde se grita

e a noite, minha amiga,

é mais discreta

como convém ao poeta

que se veste de gala.

 


José Carlos Ary dos Santos

12.07.2009

poema sem nome

Tenho medo da Terra a girar
pode-me levar para outro lugar,
afastar-me de ti
e pensares que fugi.

Quero ficar agarrada ao teu abraço forte
e nao ir para norte
quero sentir o teu calor
e nao largar o nosso amor.

Afastaste-me da tua vida
mas por ti continuo atraída
não há volta a dar
eu nasci para te amar.

Tens o meu coração
Não o deixes cair
Dá-me a tua mão
e juntos vamos fugir.


por Cláudia Alexandra Santos Carvalho - 12ºD

Segredo

Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.


Fernando Pinto do Amaral, Às Cegas

12.06.2009

está mau tempo

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

[Ruy Belo. "País Possível", in Todos os Poemas. Assírio & Alvim]