5.22.2010

Paulo Pais




Falamos com os vivos quando já estão mortos
olhamo-los mas já não os vemos
mesmo quando trocamos cigarros e livros e piadas de mau gosto

estão aí à nossa frente tocamos-lhes as mãos
ajeitamos-lhes a gravata sacudimos-lhes a caspa do ombro
a alguns afagamos-lhes a nuca
dormimos com eles

não deixaremos de manter compromissos fáceis de não cumprir
marcaremos viagens a sítios que não há
- é bom fingir que gostamos uns dos outros

em que podem beneficiar com a morte para além
do prejuízo da sua inarticulável ausência?

basta uma bandeira ou isso dois ou três objectos
de afecto um gesto que escorre a memória
(por cada um que parte é um que não morre)

apesar das ruas desertas continua
a vontade do amor e a alegria crua dos rapazes
queimando gatos vivos
fisgando pardais

ouvirão eles o que não dizemos?

0 comentários: