5.25.2010

Manuel Cintra




O desenrolar lento, falange após falange, com que se desdobra os dedos e se atravessa sons e as manchas de luz, até chegar à tinta e ao papel, o tremor com que se teima em pregar marcos no tempo, assim como certos beijos pretendem, no tocar de lábios, deformar os corpos e melhorá-los, assim o contacto furtivo entre nós e a falsa paragem de tempo que nada muda, mas por vezes chama a atenção sobre a consciência daquilo que penetra os minutos e o que deles, como a nata presa no escoador de leite, nos vai alimentando o aspecto das rugas na pele.

" tu eras nesse instante uma parte de mim com corpo de mulher deitada sobre a cama e toda essa parte se concentrava nos meus cinco dedos esquerdos construindo em pequenas superfícies sobre as pontas de cada um o nome desse pedaço da tua coxa interna, estendida ao comprido em frente do resto do teu corpo. E a calma, cor de folha, que se me infiltrava pelo sangue até chegar aos olhos, desaguava no respirar do quarto, encontrando o cheiro da maçã apenas trincada, que era o fim da linha do meu outro olhar, o olfato. "

Eu era um homem, e escrevia, não que aspirasse pela fama, mas com um certo desdém pelo silêncio no ouvido alheio.

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