4.10.2010

a poesia e os nossos corações de abóboras quase dementes





Uma bala de mel que penetrou o peito da estátua. Que furou pelo pescoço e inundou o crânio. Que adoçou os lábios. Que contaminou os olhos.

A loucura é a máxima pretensão cardíaca. Induzi-la por letras é um artefacto muito raro. Requer mãos que sejam simultaneamente patas, barbatanas, periscópios em crateras de vulcão, aquários intactos nos escombros de um terramoto.

A loucura não é uma conclusão de sofá, um apontamento da inteligência.

Todos os equívocos nascem da distinção entre poema e poeta. Como entre poema e leitor. Como entre poeta e leitor. Acordar é abrir um livro de poemas. Adormecer é abrir um outro livro de poemas.

Ervas que se queimam por contacto com o corpo, vapor de suor num cachimbo.
A poesia é o único tóxico que negoceia vida.

Tudo o que pode ser visto, escutado, inspirado, provado, tocado, forma placenta cinco vezes real que treme. Só há, portanto, um alimento: a imanência. O acto sexual é a abertura de um poço de líquido amniótico.

Creio que o amor está sujeito ao Princípio da Incerteza de Heisenberg: quanto mais sabemos da sua velocidade, menos sabemos da sua posição, e vice-versa. O amor é, por isso, todas as graduações de velocidade e posição.

Reforço o que disse anteriormente: se um poema não tomou de assalto um homem, das duas uma: ou não era um poema, ou não era um homem. Resolver em sede de tribunal. Ou na rua.
O único veneno é uma saúde de ferro, sem uma febrezinha sequer para compor o coração.

Vasco Gato, in "omertà" quasi (2007)

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