1.21.2011
Pedro Paixão, "Viver todos os dias cansa"
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12.23.2010
Poema de Natal, por Jorge de Lima
Numa certa noite de Natal,
aquele homem de uma grande metrópole
queria um abrigo para passar a noite;
um réveillon, uma mulher ou mesmo um bar servia.
Mas todas essas coisas tinham muitos corações
por dentro delas.
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12.22.2010
O HOMEM PÚBLICO N.º1 (ANTOLOGIA), por Ana Cristina César
Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.
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8.21.2010
Sequências da Terra, por Amadeu Baptista
Ele ofereceu-lhe um pedaço de terra
quando se conheceram.
Quando deram o primeiro beijo
ela engoliu uma parte desse pedaço
de terra
e quando se casaram ela engoliu
a parte restante.
Nove meses depois, quando ela
pariu o primeiro filho
saiu-lhe pela vulva a terra
que ele lhe tinha dado
e que ela tinha comido.
por duas vezes,
em duas partes iguais.
E assim foi que,
quando o filho de ambos
chorou pela primeira vez,
se levantou da terra
uma labareda infinita.
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8.07.2010
por António Franco Alexandre
Vou pôr um anúncio obsceno no diário
pedindo carne fresca pouco atlética
e nobres sentimentos de paixão.
Desejo um ser, como dizer, humano
Que por acaso me descubra a boca
e tenha como eu fendidos cascos,
bífida língua azul e insolentes
maneiras de cantar dentro de água.
Vou querer que me ame e me abandone
com igual e serena concisão
e faça do encontro relatório
ou poema que conste do sumário
nas escolas ali além das pontes.
E espero ao telefone que me digam
se sou feliz, real, ou simplesmente
uma espuma de cinza em muitas mãos.
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7.14.2010
Desistência
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7.11.2010
É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes, por José Gomes Ferreira
É tão fácil dizer que saem dos olhos das mulheres andorinhas verdes
ou chamar à lua a caveira voada da flâmula dum navio pirata!
Mas a poesia - onde está?
A poesia que transforma de repente a música em lâmina
para romper a noite até à solidão dos archotes
que escurecem mais e mais
este abismo absurdo
sem astros de céu vivo
onde as pedras apodrecem
e as andorinha verdes não saem dos olhos das mulheres?
Mas a poesia - onde está?
Essa esperança convicta
de teimar na certeza do nada
com explicações
de papoilas
e esqueletos a abraçarem-se
no amor final já sem sentido de bandeiras?
Sim. Onde está?
Que palavra abre
para além da luz secreta
que os dedos dos mortos acendem no perfume das flores?
Sim. Onde está?
- Poesia de rasgar pedras.
Poesia da solidão vencida.
Poesia das pombas assassinadas.
Poesia dos homens sem morte.
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7.10.2010
A visita do amor que não virá, por João Rasteiro
Acerca do lírico amor obscuro
de mim o tempo acúleo cogitava
a morte inclinada em contrição
na geometria mais invisível ele
o rosto oxidado na cegueira fincada
a cítara dos acesos sexos lascados
os clarões do crime nas máscaras
bebendo a luz dos prodígios em bocas
líquidas sementes do cordeiro de deus
sangram os espinhos da ácida língua.
Não há lugares profusos nos alfabetos
a paisagem dos acasos - nos corações
transbordam vertiginosas superfícies
as tecedeiras sobre o linho respirando
inversas – o âmago do mistério da voz.
- Um dia alguém terá nos dentes lágrimas vivas.
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7.01.2010
por Luíza Neto Jorge
I
Despertei
com o pássaro longínquo
um rumor de fome
no seu olho fito
Atirou-se a pique
sobre a crosta da terra
a picar no mais tenro
o que eu nuca vi nem
me apalpei
Carne nao era
talvez fosse
a pedra de toque
do meu sono
Soltando as asas
desde a
serra
veio voando
direito
à varanda onde
pela manhã passeiam
pombos
Atirou-se a pique
com o seu olho louco
a descobrir
o que eu esquecia
Carne seria
lôbrega ou viva
hélice de sol puro
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6.25.2010
no more tears, por adília lopes
Quantas vezes me fechei para chorar
na casa de banho da casa de minha avó
lavava os olhos com shampoo
e chorava
chorava por causa do shampoo
depois acabaram os shampoos
que faziam arder os olhos
no more tears disse Johnson & Johnson
as mães são filhas das filhas
e as filhas são mães das mães
uma mãe lava a cabeça da outra
e todas têm cabelos de crianças loiras
para chorar não podemos usar mais shampoo
e eu gostava de chorar a fio
e chorava
sem um desgosto sem uma dor sem um lenço
sem uma lágrima
fechada à chave na casa de banho
da casa da minha avó
onde além de mim só estava eu
também me fechava no guarda-vestidos
mas um guarda-vestidos não se pode fechar por dentro
nunca ninguém viu um vestido a chorar
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